Oceanos e os livros escritos por mulheres

Djaimilia Pereira de Almeida, Dulce Maria Cardoso e Nara Vidal. | Foto: Arlindo Homem

Não chega a ser novidade a presença crescente das mulheres no mercado editorial e livreiro. Há algumas semanas, a Gama elencou uma série de projetos recém-lançados, liderados por mulheres, entre livrarias – físicas e digitais – e editoras. Também o jornal argentino La Nación destacou a conquista do universo do livro por escritoras latino-americanas, que têm liderado rankings de vendas e sido cada vez mais lidas e premiadas.

Os prêmios literários, que costumam refletir a opinião da crítica e muitas vezes coincidem com o gosto dos leitores, não se comportam de forma diferente. Desde 2017, quando o Oceanos se tornou uma premiação para livros escritos em língua portuguesa editados em qualquer lugar do mundo, obras escritas por mulheres também vêm ganhando posição de destaque entre os premiados e finalistas.

Naquele ano, entre os 10 livros que chegaram à etapa final do prêmio, cinco eram de autoria feminina: Anunciações, coletânea de poemas de Maria Teresa Horta; Karen, romance de Ana Teresa Pereira; Não se pode morar nos olhos de um gato, romance de Ana Margarida de Carvalho – as três, portuguesas –; Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, romance de Elvira Vigna, e Sul, livro híbrido, que reúne um conto, um texto dramatúrgico e um poema, de Veronica Stigger – as duas últimas, brasileiras.

O grande vencedor da edição de 2017 foi Karen, “um livro misterioso como misteriosa é a sua autora”, nas palavras da crítica literária e jurada do Oceanos Ana Mafalda Leite. “É como se entrássemos numa tela de cinema ou na paisagem de uma pintura e seguíssemos a personagem nas suas vidas paralelas e nos seus duplos imaginários. É uma viagem a não perder.” Assista ao anúncio da primeira colocada por Ana Malfada:

Ana Teresa Pereira foi a primeira mulher a conquistar a primeira colocação do Oceanos. Nas edições anteriores, as escritoras brasileiras Beatriz Bracher, Marina Colasanti, Cíntia Moscovich, Elvira Vigna e Ana Martins Marques haviam sido contempladas em diferentes colocações.

Karen abriu um percurso de triunfo para livros de escritoras. Na edição seguinte, em 2018, a única obra de autoria feminina a constar entre os 10 finalistas do prêmio foi o livro de poemas Câmera lenta, da brasileira Marília Garcia – e foi também o que levou a primeira colocação.

Câmara lenta nos mostra o poema no ato da escrita, com suas inquietações, ironias, divagações e até homenagens”, disse o Presidente da República de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa, durante o anúncio do prêmio em cerimônia no Palácio da Ajuda, em Lisboa. Assista a seguir a Infraordinário, o episódio da série Prisma Literário com a poeta Marília Garcia:

Já em 2019, três romances escritos por mulheres figuraram entre os finalistas e conquistaram as três primeiras colocações. Sorte, da brasileira Nara Vidal, ficou com o terceiro lugar. Para o poeta português Daniel Jonas, também jurado do Oceanos, trata-se de um livro “denso e assustador”, “uma experiência absolutamente aconselhável para dias que tenhamos um pouco mais de confiança em nós próprios, para não sairmos arrasados da sua leitura”.

Eliete – A vida normal, da portuguesa Dulce Maria Cardoso, ganhou a segunda colocação do Oceanos 2019. “Um livro de linguagem crua, do dia a dia, do real” – avaliou Manuel Frias Martins, crítico literário português e jurado do prêmio – “em que a vulgaridade não acontece graças ao talento da escritora.”

Finalmente, Luanda, Lisboa, Paraíso, da portuguesa nascida em Angola Djaimilia Pereira de Almeida levou o primeiro prêmio. De acordo com a escritora brasileira e jurada Maria Esther Maciel, Luanda, Lisboa, Paraíso consiste num “romance de caráter antiépico, que se furta à obviedade no trato de questões político-sociais”.

No ano passado, outra vez as obras escritas por mulheres representaram metade dos finalistas ao Oceanos. Na lista, estavam o romance A visão das plantas, também de Djaimilia Pereira de Almeida, o livro de poemas As durações da casa, da brasileira Julia de Souza, o romance Carta à rainha louca, da brasileira Maria Valéria Rezende, e o livro de contos Sombrio ermo turvo, de Veronica Stigger.

Dessa vez, o romance de Djaimilia conquistou a segunda colocação. De acordo com a própria autora, “A visão das plantas imagina os últimos dias de Celestino, a cuidar de seu jardim, assombrado por fantasmas que o consolam e que o embalam até a morte, fechado em casa um pouco como o escritor que, encerrado em seu jardim, também cuida de suas plantas”. Para a crítica literária santomense Inocência Mata, “mais do que perseguir o fim da vida de um homem cujo passado é muito obscuro, a narrativa questiona o lugar do humano na natureza”.

A obra de Maria Valéria, por sua vez, conquistou o terceiro lugar. Nas palavras da escritora: “Este é um livro que veio se construindo desde os anos 1970, quando, na falta de outras coisas para ler, eu me abastecia, no sertão da Paraíba, na biblioteca de um padre muito erudito, de coleções de sermões do Padre Antônio Vieira e outros pregadores famosos dos séculos 17 e 18. Naquilo que parecia obsoleto a quem vivia nas cidades, eu percebia uma linguagem – vocabulário e mesmo estrutura das frases – que escutava do povo com o qual eu convivia.” Para o crítico literário brasileiro e jurado do Oceanos João Cezar de Castro Rocha, “a longa carta (que compõe o livro), destinada a não merecer resposta, revela a ‘ausência onipresente’ que ainda hoje domina a história brasileira: nas Minas Gerais, o quinto e a derrama; em Canudos, os impostos e o exército; nas comunidades das periferias das cidades, a desigualdade e a polícia”.

Em homenagem a todas as mulheres concorrentes e vencedoras do Oceanos, e sobretudo às três vencedoras do Oceanos 2019, uma edição dominada por escritoras, apresentamos em primeira mão o vídeo completo com a participação de Djaimilia Pereira de Almeida, Dulce Maria Cardoso e Nara Vidal, gravado no dia da cerimônia de premiação daquela edição, em janeiro de 2020, na Torre do Tombo, em Lisboa, antes da pandemia de Covid-19.